O Brasil está entre os países com maior carga tributária no mundo, com destaque para a tributação sobre bens e serviços, que representa 13,05% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse percentual supera a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 10,8%, além de países como Reino Unido (10,1%), Canadá (8,8%) e Chile (10,6%).
No setor logístico, essa alta carga tributária representa um entrave significativo para a competitividade das empresas que operam no Brasil. A recente aprovação da Reforma Tributária pelo Congresso Nacional trouxe novas questões à tona, gerando discussões sobre os impactos dessas mudanças na logística e em outros setores da economia.
O vice-presidente jurídico da Associação Brasileira de Logística (Abralog), Alessandro Dessimoni, alertou que o cenário tributário brasileiro, já considerado um dos mais complexos do mundo, poderá se tornar ainda mais desafiador com as reformas em curso. “O nosso país precisará enfrentar desafios e complexidades significativas no campo tributário. Isto se deve às várias mudanças legislativas ocorridas no final de 2023, que moldaram o panorama fiscal global”, disse.
Aprovada no final de 2023, a Reforma Tributária traz alterações significativas para o setor logístico, principalmente no que se refere à tributação no consumo. A principal mudança envolve a substituição de tributos como o ICMS e o ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um tributo sobre valor agregado que deverá ser aplicado no destino, e não na origem, como era anteriormente.
LOGÍSTICA TRIBUTÁRIA
A mudança, que visa equalizar a tributação entre estados e eliminar a guerra fiscal, impactará na malha logística das empresas. Hoje, em função das diferentes alíquotas a depender do estado, o ICMS é critério elementar para o posicionamento de uma rede logística. Segundo o especialista sócio-diretor da Prosperity Consultoria, Décio Tarallo, aspectos como substituição tributária, benefícios fiscais e o sistema de crédito/débito complicam os estudos logísticos e frequentemente limitam as empresas a adotarem modelos de Supply Chain baseados apenas em produtividade operacional.
“A legislação brasileira, com altos custos para as empresas, pressiona os gestores a buscarem alternativas mais baratas para se terem negócios saudáveis e competitivos”, explicou Tarallo. “Alguns governos estaduais promovem benefícios fiscais atraentes para as empresas que queiram se instalar nas suas regiões, mesmo com poucas contrapartidas das empresas, apenas mantendo o faturamento anual mais a inflação, com vendas para o próprio estado e para outros com reduções que chegam a quase 90% do ICMS.”
Um exemplo prático desse impacto pode ser na operação de empresas como a Campari, empresa italiana de bebidas que opera no Brasil desde 1963. Em debate promovido pela MundoLogística na inauguração do complexo logístico da HSI em Guarulhos (SP), a diretora de Supply Chain da companhia, Renata Fioravante, explicou que a Campari possui uma planta industrial estrategicamente localizada em Pernambuco, onde recebe benefícios fiscais significativos. No entanto, com a implementação do IBS, esses incentivos podem deixar de ser vantajosos.
“Hoje, minha planta em Pernambuco atende o Rio de Janeiro com um custo logístico elevado, mas os incentivos fiscais compensam. Com a nova tributação no destino, o cenário pode mudar drasticamente, e talvez eu precise repensar a localização da minha indústria, considerando o consumo concentrado no Sul e Sudeste”, afirmou.
Apesar das incertezas, a Reforma Tributária também abre oportunidades para setores como o farmacêutico. Ricardo Canteras, diretor comercial da Temp Log, salientou que a simplificação tributária, com a isenção de impostos sobre medicamentos, pode transformar o Brasil em um hub logístico global para a indústria farmacêutica.
“A redução dos custos operacionais pode tornar os medicamentos brasileiros mais acessíveis e competitivos no mercado internacional, atraindo investimentos e ampliando a demanda por serviços logísticos especializados”, afirmou o executivo.
IMPACTO EM REAL ESTATE
A adaptação às novas realidades fiscais e logísticas trará desafios também para o mercado de real estate. Durante o evento da HSI, a sócia-fundadora e CEO da EREA, Clarisse Etcheverry, destacou que as empresas precisarão encontrar soluções inovadoras e flexíveis para atender às demandas logísticas crescentes. “Veremos um aumento na demanda por armazenagem dentro dos grandes centros urbanos, especialmente com a consolidação de operações e a terceirização de serviços logísticos.”
No entanto, Francisco Tarosso, diretor sênior de Logística e Supply Chain da CEVA no Brasil e no Chile, apontou que essa migração das operações para os grandes centros urbanos pode sobrecarregar a infraestrutura logística do país. “Temos um longo caminho a percorrer em termos de infraestrutura portuária, rodoviária e de galpões logísticos. O governo precisará agir rapidamente para garantir que essas mudanças não prejudiquem o setor”, afirmou.
O executivo pontuou ainda a necessidade de planos contingenciais por parte do governo para mitigar os impactos negativos da reforma, especialmente em regiões que podem perder competitividade com a mudança da tributação para o destino.
DESONERAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTOS
Outro tema sensível para o setor, especialmente para o transporte rodoviário de cargas, é a desoneração da folha de pagamentos. Implementada em 2011 para reduzir os encargos trabalhistas e estimular a geração de empregos, a política tem sido um tema de intensas negociações entre o governo e o Congresso Nacional. Em 2024, essa política continua a ser uma questão central para setores estratégicos, como o transporte de cargas.
Após um veto do Governo Federal no fim do ano passado, a medida — que permite a 17 setores da economia, incluindo transporte, pagarem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, ao invés de 20% sobre a folha de salários — foi estendida até o fim deste ano. O cronograma proposto prevê uma redução gradual até 2028.
Segundo as entidades do setor, a desoneração é considerada essencial para o transporte de cargas, em função da geração de empregos possível por meio da medida. Em entrevista exclusiva para a MundoLogística, a diretora-executiva da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (ABOL), Marcella Cunha, destacou que a reoneração da folha de pagamentos resulta em impactos diretos na capacidade das empresas de manter e expandir seus quadros de funcionários.
“A desoneração nos permite não apenas manter os empregos, mas também investir na qualificação e nas condições de trabalho dos nossos colaboradores. Sem ela, muitas empresas podem rever seus projetos, o que resultaria em uma cadeia de efeitos negativos para o setor”, afirmou.
Crédito: Mundo Logística
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